Oito anos depois de aposentar a personagem Buffy –por escolha própria, e não da produção do seriado--, Sarah Michelle Gellar não é mais nenhuma mocinha. Não tem mais o mesmo perfil de ídolo teen e a mesma forma para incorporar a protagonista de um seriado que criou um universo próprio, tornou-se “cult” e ainda tem grandes eventos com o elenco e encontros de fãs realizados por todo o globo.
Essa foi minha principal impressão ao fim do episódio piloto de “Ringer”, que estreou no canal norte-americano CW na última terça. “SMG não é mais a mesma”. E isso é bom.
Qualquer um que tenha visto, eu diria, as temporadas 4, 5 e 6 de Buffy (destaco a quinta temporada, com o incrível episódio “The Body” e o melhor season finale da série, “The Gift”) sabe que é inegável o talento da atriz tanto em cenas dramáticas quando nas cômicas.
E isso está explícito quando se analisa a protagonista da nova série, Bridget, uma personagem nada admirável, mas muito bem interpretada pela atriz. Gellar deixa claro já pelo olhar o que guia a personagem: medo, fraqueza. Muito diferente de sua irmã gêmea, Siobhan, egocêntrica, fria e extremamente forte. Isso também fica claro na interpretação da atriz. Basicamente, Ruth e Raquel chegaram aos Estados Unidos, mas sem o estereótipo chato de mocinha em Bridget, talvez pra compensar uma Siobhan bem mais “clichezenta” que a gêmea má brasileira. Mas isso é obviamente um problema de roteiro, não de Gellar, que rapidamente encontrou o tom certo para seu novo estilo em papéis de mulheres mais maduras que a caça-vampiros adolescente.
Essa dualidade entre as irmãs norteia todo o fraco roteiro do piloto. Sim, infelizmente, tivemos um primeiro episódio sem muita originalidade, e com algumas falhas complicadas de engolir. Primeiro: Bridget estava sendo perseguida por um assassino e pressionada pelo FBI para depor contra ele, o que provavelmente a mataria. Tudo bem, não dá pra dizer que há uma solução fácil pra isso, mas é difícil aceitar que a ÚNICA coisa que ela podia ter feito era tomar o lugar da irmã morta, né? Se você passar por cima disso, ainda vai ter que aceitar um universo de coadjuvantes extremamente mal explorado, com uma melhor amiga fútil e sem profundidade (Gemma, interpretada por Tara Summers), um amante que não diz a que veio (Henry, feito por Kristopher Polaha) e um agente do FBI que dá sono (Victor Machado, do overrated Nestor Carbonell). O único que salva um pouco é o marido de Siobhan, Andrew, interpretado por Ioan Gruffudd, mais conhecido por seu papel em “O Quarteto Fantástico”. O cara já deu sinais de ter segredos obscuros, o que despertou minha curiosidade.
Mas esse problema com personagens é um erro muito grave, porque sempre fui da opinião de que a qualidade de uma série é medida não pelo protagonista e pelo vilão, mas pelos coadjuvantes. São esses personagens de apoio que permitem que o roteiro saia do lugar-comum, e impedem que o seriado se torne maçante, com um plot único girando em torno da personagem principal. Buffy não seria o que foi se não fossem por Willow (Alyson Hannigan), Xander (Nicholas Brendon), Cordélia (Charisma Carpenter), Angel (David Boreanaz), Giles (Anthony Stewart Head), Joyce (Christine Sutherland), Dawn (Michelle Trachtenberg) e Faith (Eliza Dushku). Foi o bom desenvolvimento desses outros personagens que permitiu à protagonista crescer e aos espectadores amarem todo o universo de Joss Whedon, e não apenas a caçadora. E é realmente difícil vislumbrar isso em Ringer, principalmente com a mesma atriz interpretando as únicas personagens importantes até agora.
Outro problema: não há cliffhanger. Quer dizer, alguém realmente achou que Siobhan estava morta? Pode ser que os estadunidenses sejam ingênuos, mas aqui no Brasil estamos bastante calejados. Quando Ruth se passou por Raquel, em 1993, no fundo já sabíamos que Raquel estava viva. Anos mais tarde, situação similar aconteceu em “A Usurpadora”, exibida pelo SBT. Terminar um episódio piloto com a revelação de que a gêmea má não morreu não é nenhum convite a assistir ao segundo. É uma constatação do óbvio. Aliás, seria até melhor se isso não fosse revelado no piloto, e sim no próximo episódio. Aí talvez teríamos alguma dúvida, e algum cliffhanger. Mas sinto que a audiência vai cair consideravelmente nesta semana.
Passando pelo roteiro, temos o problema de produção. As cenas com as gêmeas juntas deixam a desejar, com exceção da dos espelhos, que ficou simplesmente sensacional! Novamente, ponto pra atuação de SMG aqui. Os efeitos ficaram fracos, e era muito fácil perceber a montagem. Mais uma vez comparando, em 1993 a Globo fez melhor que isso, então fica difícil dar algum desconto para a produção.
E aí, temos a famigerada cena do barco, em que Siobhan “morre”. Claramente feita numa piscina, e provavelmente em um barco estático, a sequência quase não disfarçava a tela verde usada nos sets de gravação. Ficou ruim, não há outra palavra. Se um canal aprova uma série, o mínimo que ele precisa fazer é ter um orçamento que garanta a qualidade do piloto. Mas não foi o que aconteceu aqui.
Ainda assim, Ringer não pode ser considerada uma série ruim, e a boa atuação de Gellar é primordial para que essa afirmação seja verdadeira. E é compreensível que o enredo exigia um piloto acelerado, com muita informação e pouco detalhe. O que espero da série de agora em diante é uma pisada no freio, uma boa exploração do elenco disponível e menos centralização nas irmãs. E acho possível que essa expectativa seja atendida em uns 5 ou 6 episódios. Por isso, prefiro classificar a série como promessa, em vez de decepção. Aliás, alguém aí reparou na data de nascimento das gêmeas? Discretamente, acho que a produção sinalizou um episódio de aniversário vindo por aí ;)
Mas, apesar de ser uma boa promessa para a temporada de séries, por enquanto, Ringer ainda é apenas a nova série da SMG, e ela até segurou bem a onda. Só que só vai atrair fãs de Buffy, e a curto prazo. Resta torcer para que a CW, que afinal nos deu Buffy e Angel (além de outras séries já consagradas, como Smallvile e Supernatural), queira mais que isso.
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